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terça-feira, 19 de maio de 2009

Nas cabeceiras do Cruzeiro do Vale

Estive em Mororó

Por 37 anos contemplei a foz do Riozinho Cruzeiro do Vale em Porto Walter com uma grande curiosidade. Curiosidade motivada pelas lembranças do meu pai ainda garoto na década de 50 numa colocação chamada Malassombro. Sempre falou dos amigos índios (cabôcos no dizer dele). Nomes como Seu Napoleão Arara, Dona Judite, Vitorino, Crispin, Seu Genário, Rio Nilo, Rio Branco, e outros, fazem parte da sua memória. Talvez por essa memória dele, eu desde muito planejasse uma viagem ao Riozinho Cruzeiro do Vale ou Humaitá.

Nunca o tinha penetrado além de umas poucas voltas. Até que surgiu uma oportunidade nas eleições de 2008. Éramos cinco (quatro homens e uma mulher), com a missão de sobreviver por cinco dias numa localidade conhecida como Mororó.

No dia 2 de outubro cheguei ao TRE ainda de madrugada para chegar ao aeroporto às nove horas para embarcar às 11 num “Black Hawk” (helicóptero UH-60) da Força Aérea Brasileira.

Embarcamos para a missão chamada “Prainha-Mororó” conforme pude bisbilhotar no plano de vôo deles. A primeira no Rio Juruá-Mirim no município de Cruzeiro do Sul e a segunda no Rio Cruzeiro do Vale em Porto Walter. Pousamos em Prainha onde ficou a equipe de lá, (juntamente com meu saco de alimentos) e partimos em direção a Mororó.

Atingimos o Cruzeiro do Vale, mas não encontramos tal lugar. Por duas vezes os camaradas da Aeronáutica pousaram buscando informações com moradores na tentativa de localizar a comunidade. Como não lograram êxito, buscaram no GPS a localidade mais próxima e assim chegamos a Thaumaturgo.

Na pista de Thaumaturgo (é apenas a pista mesmo, sem a menor estrutura que um aeroporto possa oferecer), só insatisfação por parte dos mesários e policiais que aguardavam o deslocamento às suas comunidades. Educadamente o oficial comandante da aeronave (Ten Martins) nos colocou a par da situação nos informando que para salvar o dia faria o deslocamento das equipes de Caipora e São João retornando em 40 minutos. Assim, pelo tempo exato, estava de volta. Embarcamos de volta a Cruzeiro do Sul. Lasquei quatro fotos de Thaumaturgo, mais outras de Porto Walter e viemos dormir em casa.

Sexta-feira, dia 3, com novas e precisas coordenadas (desta vez fornecidas pelo IBAMA) partimos num vôo direto até uma clareira. Era Mororó.

Ali o Cruzeiro do Vale tem uma largura média de 4 metros e 50 centímetros de profundidade. Mororó é uma propriedade particular (um campo de gado) situada na margem direita, onde a prefeitura construiu uma escola com duas salas. Está a meio caminho entre os dois principais afluentes (Nilo e Rio Branco), próximo às nascentes. Mororó abriga duas seções eleitorais das quatro que o município de Porto Walter tem fora da sede (as outras duas ficam em Reforma, no Juruá). Ali um prefeito ou vereador poderia ganhar ou perder uma eleição. Todo o cuidado seria pouco.

Apenas a escola e duas casas, uma delas pertence à professora e a outra é do proprietário do campo de gado.

Para alguém acostumado à vida na cidade, aquele era um lugar perigoso, melancólico, onde o tédio e a depressão poderiam acabrunhar o melhor dos comediantes. Para não vacilar, rapidamente arrumamos uma tarrafa, um guia, uma canoa e em menos de 40 minutos da chegada já estávamos em plena pescaria. Aquele pequeno rio nos salvaria durante dois dias. Não eram apenas peixes que procurávamos, era principalmente, a tentativa de ocupar o tempo. Jantamos peixe, claro.

No sábado a pescaria foi mais organizada. Compramos gasolina, arrumamos uma canoa maior e fomos em busca de um remanso rio acima numa colocação chamada Boa Vista. A habilidade do motorista e a falta de água impressionam. Fora o medo das arraias, é uma sensação indescritível, saltar na água e arrastar uma canoa, correr no meio de um rio quase seco ou atravessá-lo quase de um salto único. Os peixes não aprovaram muito nossa diversão, mas as pessoas que jantaram na enorme mesa do Osvaldo aprovaram.

Aos poucos fui encontrando parentes e conhecidos do meu pai. Tenho certas características e traços familiares que não me deixam passar despercebido. Gosto de uma boa conversa, de ouvir histórias e gosto de recontá-las.

Lá nos altos rios, fora da sua segurança, do seu habitat, você é o alvo. Inicialmente as pessoas sondam você, tiram sua medida, querem descobrir se você tem preconceitos e só depois, de ter segurança é que se deixam ver um pouco. Tenho facilidade com pessoas dos seringais. Falam pouco, são detalhistas, sagazes e bastante hospitaleiras. Pessoas simples e trabalhadoras que demonstram certo desapego ao dinheiro e à riqueza material. Dignas e educadas.

O sábado terminou com uma feliz novidade: a justiça eleitoral fizera chegar ainda no sábado até aquelas alturas do rio, vindo de Porto Walter, um gerador de energia para nosso conforto. Contratei de graça Bon Jovi e Renato Russo.

O domingo amanheceu com uma grande expectativa e ansiedade para todos. Amanheci mal humorado. Era a quarta eleição consecutiva que não votava, que para garantir o direito dos outros abria mão do meu próprio direito. São algumas das penas que os militares devem pagar por terem assassinado Jesus Cristo, Tiradentes, Felipe do Santos, Frei Caneca, Plácido de Castro, Che Guevara, Salvador Alende, Wladimir Herzog e terem dizimado uma cidade inteira – Canudos no sertão da Bahia (leia ou releia Os Sertões). Novamente me questionei sobre a importância de estar ali. Sempre acontece isso, e é bom que aconteça, porque consigo me isentar de paixões e aplicar a lei.

Finda a votação e divulgado o resultado daquelas seções, a vida foi voltando ao normal, com os eleitores partindo de volta para casa, (alguns enfrentariam 5 horas de caminhada pela mata, ou horas de arrastamento de canoas rio acima ou rio abaixo). E a apuração das outras urnas? Osvaldo tinha notícias.

Osvaldo não conheceu Ulisses Guimarães, mas é MDB doente. Por ser o mais arranjado, tinha um rádio, que só ele conseguia ouvir, e certamente deveria estar com as pilhas trocadas, à la Gamileira (a história do jogo entre Flamengo e aquele outro time em que o Flamengo quase perdeu um título porque as pilhas do rádio estavam ao contrário), pois em Rodrigues Alves o Sebastião Correia era o vencedor e em Porto Walter, para a alegria quase geral, Wanderlei Sales não perdia mais. Ah, radiozinho ruim!

Pela manhã, (parece que ele arrumou as pilhas do rádio) a verdade foi restabelecida. Burica aparecia como vencedor em Rodrigues Alves, e o Neuzari era declarado vencedor em Porto Walter. O coitado do Osvaldo era a figura da decepção.


O que mudaria para eles? Nada, continuariam sendo apenas votos, números, e nada mais, sem vez nem voz.
Aproveitei a frustração deles para contar uma historinha de um amigo meu que chateado com a patifaria da politicagem, foi parar em Marte, e chegando lá se deparou com o “planeta vermelho”(será que o PT veio de Marte?) tomado por intensa campanha eleitoral. Admirado, abordou um cabo aleitoral (até em Marte? Pois é, praga dá em todo planeta) querendo saber quais eram os partidos envolvidos na disputa, ao que foi informado com naturalidade que eram os mesmos de toda a galáxia, de todos os planetas.

Como ele não gosta muito de política, naturalmente ficou confuso, mas o cabo gentilmente esclareceu: Aqui, como um todo o universo, a disputa é apenas entre dois partidos, o PQEC contra o PQQC. Ficou ainda pior, mas o cabo traduziu: PQEC é o Partido dos Que Estão Comendo, e o PQQC é o Partido dos Que Querem Comer. Deram-me certa razão.

E como que para lavar a alma, uma chuva de oito horas. E como que para minar os nossos corações pela saudade de casa, os sapos do mundo inteiro cercaram a escola “São José” e iniciaram seu concerto agourento de uma nota só – Bú, bú, bú, bú...

Nosso resgate se deu pelas 10:00hs da terça-feira. Já dentro da aeronave, pela janela, contemplei pela última vez a escola São José, na Comunidade Mororó, no Rio Cruzeiro do Vale, município de Porto Walter. Onde estive por cinco dias sem ter a certeza de que valeu a pena.

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