Terminei agora há pouco um pequeno texto que estava encruado há mais de um ano.
Era para ser um conto, parte de um livro que pretendia publicar, mas acho que já nasceu morto.
Mesmo sem o devido cuidado com possíveis (e quase certos furos gramaticais) vai assim mesmo.
Um cordeiro embolado
Três chamadas e o padre Jorge iniciava a celebração. Apesar do carisma do celebrante, nossas missas não apresentavam muito brilhantismo, e brilhantismo no sentido de sonoridade. O problema era simples carência de alegria. Não é que fossem tristes. Não era isso, mas é que faltava o som de um instrumento de acompanhamento.
As tardes de sábado eram as mais animadas. Eram destinadas aos encontros de grupos de jovens e crianças. Reuniões da Cruzada Missionária, dos Coroinhas, do Ato (amizade, trabalho e oração) e do grupo de jovens movimentavam as salas do salão paroquial e da igreja.
Em tais oportunidades a gente se confessava dos pecados cometidos e dos que ainda seriam cometidos, das ações e dos maus pensamentos. Sexo era um mau pensamento, se revoltar com a pobreza era um mau pensamento, e a gente pecava demais.
Para a maioria era uma possibilidade de sair de casa e se divertir. Para isso a gente tinha que rezar muito tempo e só depois podíamos jogar bola um pouquinho. Mas o empenho nas orações era mesmo com as crianças, pois os jovens já se preocupavam com a política e com as coisas do coração.
Fora aqueles jovens, a principal atividade dos outros grupos era ensaiar benditos e orações. O primeiro encontro, na igreja era para todos e só depois é que se dividiam: coroinhas com o padre, o ATO com o Professor Sebastião e a Cruzada Missionária com as irmãs dominicanas. Nesse episódio que passo a narrar a Cruzada era com a Irmã Jovita.
Da minha lembrança, por aquela época talvez não houvesse na localidade mais que cinco instrumentos musicais. Assim relacionados: uma sanfona do Seu Adriano na Fazenda São Geraldo, outra do Seu Manoel Ferreira, um banjo do Antonio Rodrigues, um violão do Mendonça e outro do Seu Chico Marcelino.
Essa carência de instrumentos musicais não representava para Irmã Jovita uma impossibilidade de tentar animar as missas. Foi quando teve a idéia de convidar o Seu Chico Marcelino para com o seu instrumento acompanhar os ensaios de benditos sábado à tarde.
Inicialmente alegou falta de tempo que é a desculpa preferida de quem precisa de tempo para decidir-se. Tinha um roçado de tabaco, uma praia de feijão... Mas quando tivesse um tempo...
E assim, num sábado, ao chegarmos à praça do Salão Paroquial, que também era a única da vila, nos deparamos com o Seu Chico e seu reluzente violão ornado com babados e fitilhos que pendiam do braço. Era um violão belíssimo. Não que fosse belíssimo de fato, mas a raridade superdimensiona o valor das coisas.
Entramos. Como de costume, as demoradas orações e os conselhos, os avisos... Foi quando a Irmã apresentou o convidado tocador de violão já agradecendo pelo mesmo apesar das ocupações agrícolas ter aparecido naquela tarde.
Ensaiamos alguns benditos da campanha da fraternidade sem muita empolgação e o acompanhamento até que não fazia vergonha. Dava para o gasto. Acontece que o canto de comunhão era um muito conhecido, dos antigos que tinha no Cecília e o tocador empolgado foi logo dizendo: - Ah, esse é bom! E sozinho, sem esperar por ninguém, como um solista, atalhou:
Um “reis” fez um grande banquete/ O povo já foi convidado/ (até aqui tudo bem, mas então...) A mesa já ta “perparada”/ Já foi um cordeiro “embolado”/ (impossível conter a galhofa, e o coitado achando talvez que fosse de admiração, emendou) Eu me sinto feliz, perto de Deus/ Em achar uma “briga” no “Sinhô”...
Seu Chico era um bom tocador, grande artista, mas como cantor...
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